terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Quero entranhar-me no mundo da reflexão e do estudo, mas o meu coração, solteiro talvez, talvez viúvo, pede-me versos ou imaginações. Triste alternativa, que para nenhuma resolução me guia! Este estado, tão comum nos que realmente se dividem entre sentir e pensar, é uma dor d’alma, é uma agonia do espírito.
De onde estou vejo o mar; a noite é clara e deixa ver as ondas que se vão quebrar à areia da praia. Uma vez solto onde irás tu, meu pensamento? Nem praias, nem ondas, nem barreiras, nem nada; tudo vences, de tudo zombas, eis-te aí livre, a correr, mar em fora, em busca de uma lembrança perdida, de uma esperança desenganada. Lá chegas, lá entras, de lá voltas ermo, triste, mudo, como o túmulo do amor perdido e tão cruelmente desflorado!
Ânsia de amar, ânsia de ser feliz, que haverá no mundo que mais nos envelheça a alma e nos faça sentir as misérias da vida? Nem é outra a miséria: esta, sim; este ermo e estas aspirações; esta solidão e estas saudades; esta tão própria sede de uma água que não há tirá-la de nenhuma Noreb, eis a miséria, eis a dor, eis a tristeza, eis o aniquilamento do espírito e do coração."

 -| Primeiro excerto que retirarei do conto Felicidade Pelo Casamento, de Machado de Assis. O conto é tão repleto de preciosidades que uma pequena divisão fez-se necessária. |-

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